domingo, 21 de outubro de 2012

Carlos VI, o Louco

Carlos VI de Valois, dito o Louco ou o Bem Amado (3 de dezembro de 1368 — 21 de outubro de 1422) foi Rei de França e chefe da Casa de Valois entre 1380 e a sua morte. A sua rainha consorte foi Isabel da Baviera com quem casou em 1385.

Primeiros anos 

Carlos nasceu em Paris, primogênito de Carlos V apelidado o Sábio, e de Joana de Bourbon. Como herdeiro da coroa ao nascer, recebeu o título de Delfim de França em 1368. Jean Froissart o descreveu nas suas crónicas como sendo criança alegre, activa e fascinada pelos grandes feitos militares.

Os quatro tios, duques de Anjou, de Berry, da Borgonha e de Bourbon, guardaram o poder até 1388; apenas o duque de Borgonha tinha algum interesse pelo bem público. Em 1380 Carlos subira ao trono por morte do pai, mas como tinha 12 anos a regência ficou entregue a um conselho chefiado pelos seus tios João de Berry, Filipe da Borgonha e Luís de Anjou.

Durante sua menoridade, o país foi assim governado em função dos interesses dos tios, que guerreavam frequentemente entre si sem ter em conta o interesse da França. Aos 20 anos, conseguiu se livrar da influência dos regentes, com a ajuda do Condestável Olivier de Clisson inimigo político dos Duques de Berry e da Borgonha. Ao mesmo tempo, cresceu o ascendente do seu irmão mais novo Luís I de Valois, que Carlos fez Duque de Orleães em 1392.

A loucura

Em 1392 uma misteriosa doença fez cair seu cabelo e unhas. E o episódio da travessia da floresta du Mans marca o início da sua loucura: Ainda febril e ligeiramente delirante, carlos VI saiu cavalgando com seu séquito. Um ruído súbito o espantou, fazendo com que ele sacasse a espada e começasse a ferir todo mundo que via. Matou quatro escudeiros antes de ser contido. No ano seguinte o acidente do bal des Ardents confirmou a doença.

Apesar de nunca ter sido particularmente astuto para a governação, fruto de sua educação desleixada, manteve uma personalidade estável até 1392, ano em que Olivier de Clisson sofreu uma tentativa de assassinato orquestrada pelo Duque João V da Bretanha.

Para defender a honra do Condestável, Carlos organizou uma expedição punitiva contra a Bretanha, mas a meio do caminho sofreu um ataque de demência psicótica, o primeiro sinal do distúrbio bipolar que o afectou até ao fim da vida. Carlos recuperou sua sanidade, mas por pouco tempo. A partir de então, as crises sucederam-se com intervalos de lucidez curtos e espaçados.

Seus ataques de comportamento estranho iam e vinha, mas tornaram-se progressivamente mais longos e piores, conforme o rei envelhecia. Ele alternava entre um estado de estupor, quando ficava inerme, e uma alegria frenética. Certa vez ele, acidentalmente, tocou fogo em si mesmo e em diversos amigos enquanto desempenhava o papel de homem selvagem, desgrenhado, num baile de máscaras, e sua vida foi salva pela iniciativa rápida de uma duquesa, que apagou o fogo debaixo da própria saia. Nos seus dias ruins, ele urinava nas roupas, quebrava a mobília e permitia que seus filhos andassem andrajosos, por pura negligência. Durante algum tempo, ele acreditou quer era feito de vidro e que quebraria se o sacudissem.

Carlos era louco demais para liderar a França na guerra, de modo que reinou a paz. Em vez disso, os membros da família real passaram as décadas seguintes matando-se uns aos outros, no meio de intrigas da corte, os diversos parentes do rei brigando para ver quem realmente mandava. Embora estivesse a princípio muito apaixonada por Carlos, e continuasse tentando ter um herdeiro com ele a despeito de seu perigoso comportamento, Isabela, a rainha francesa nascida na Alemanha, por fim iniciou um caso com o irmão do rei, o duque de Orleans. O romance continuou até que agentes do tio do rei, Filipe, o Orgulhoso, duque da Borgonha, abateram o irmão do rei nas ruas de Paris.

Quando se considerou que enlouquecera, Luís I de Valois assumiu a regência de facto, mas foi assassinado em 1407. João Sem Medo, inimigo desde 1404, tentou-se apoderar de sua pessoa, dominando o conselho do rei de 1408 a 1411, sinal da guerra civil dos Armagnacs contra os borgonheses.

Azincourt

Os últimos anos do reinado de Carlos VI foram marcados pela segunda fase da Guerra dos Cem Anos e pela invasão de França comandada por Henrique V de Inglaterra, que culminou no desastre da batalha de Azincourt. 1415 foi um ano ruim para a França:Henrique V derrotou os franceses, dizimando a nobreza francesa. As tropas inglesas ocuparam o norte do país.

Henrique V de Lancaster aproveita a loucura do rei e as querelas entre os membros do conselho da Regência, entre Armagnacs e Borgonheses, e denuncia a trégua assinada em 1396. Desembarca em 13 de agosto de 1415 perto de Harfleur com 1.400 navios e um total de 30.000 homens. Os cavaleiros franceses, agrupados ao redor da facção dos Armagnacs, vão a seu encontro para lhe cortar a estrada de Calais. Apesar da vantagem numérica (50.000 combatentes contra 15.000), os franceses sucumbem, indisciplinados. Pretendem atacar a cavalo as linhas inimigas detrás das quais estão os arqueiros ingleses. Os cavaleiros atacam os arqueiros, pesados em armaduras que pesavam 20 quilos, sem poder se deslocar direito num solo molhado pelas chuvas. No pânico, diante das flechas às centenas, muitos cavaleiros caem dos cavalos e são aprisionados. A maior parte dos prisioneiros (uns 1700) são degolados pelos arqueiros por ordem do rei inglês, que deseja exterminar a facção dos Armagnacs para reforçar seus aliados borgonheses. Os ingleses não os querem vivos, para trocar por resgate como era costume feudal. As perdas são enormes, do lado francês morrem 10 mil homens, contra 1.500 do lado inglês. Azincourt é uma das batalhas mais mortíferas da Idade Média.

Em Paris, há enorme descontentamento contra a gente de Bernardo VII que faz reinar o terror como antes o tinham feito os Borguinhões. Em 29 de maio de 1418, violento motim expulsa os Armagnacs, milhares são massacrados, o próprio conde é cortado em pedaços. O Delfim Carlos acha meios de fugir, graças ao preboste (antigo nome do comandante militar) da capital.

Com o título de regente, continuará a luta contra os ingleses à testa do que resta do partido armagnac. Paris, sem remédio, se submete de novo aos Borgonheses. Triunfam João Sem Medo e seus aliados ingleses. O duque manobra o pobre rei de França, Carlos VI, e sua mulher Isabeau. Ao mesmo tempo, inquieto com a pressão dos ingleses, o duque tenta se reconciliar com o delfim Carlos. O encontro se transforma em drama pois João Sem Medo é assassinado diante dos próprios olhos do Delfim em Montereau em 10 de setembro de 1419. O novo duque da Borgonha, Filipe o Bom, querendo vingar-se, não hesita mais em se aliar aos ingleses.

O infame Tratado de Troyes

Carlos já praticamente não tinha contacto com a realidade e estava confinado aos seus aposentos, o que deixou o país entregue às lutas entre João da Borgonha e o Conde Bernardo de Armagnac. O poderoso duque da Borgonha, João Sem Medo, e o herdeiro do trono, o delfim Carlos, se encontraram em 10 de setembro de 1419 sobre uma ponte que atravessa o rio Yonne, em Montereau. Ambos desejavam vencer os ingleses, que dominavam a França depois de sua vitória em Azincourt e já tinham ocupado o ducado da Normandia. João era o chefe do Partido borgonhês. O delfim, chefe do partido armagnac. Depois de sangrentas escaramuças, armagnacs e borguinhões pareciam dispostos a dar fim a sua rivalidade que ameaçava arruinar a monarquia dos Valois, em benefício do rei Henrique V da Inglaterra. Em 19 de setembro um Te Deum em Paris celebra sua reconciliação. Mas os companheiros do delfim guardam rancor pelo duque, pelo assassinato de Luís I de Valois, duque de Orleães, doze anos antes. Um deles ataca João Sem Medo com um machado, na própria presença do delfim. O assassinato reaviva a querela entre os Armagnacs e os Borguinhões, prejudicando a França, e permitindo aos ingleses negociar o infame tratado de Troyes com Isabeau da Baviera e seu marido, o infeliz rei louco. Em 1420 Carlos foi trazido a público para assinar o Tratado de Troyes que deserdava o Delfim Carlos, seu filho putativo, a favor de Henrique V. Morreu dois anos depois e foi sucedido por Carlos VII apenas dada a intervenção de Joana de Arc.

Pelo Tratado de Troyes acertou-se o casamento de Henrique V com Catarina de Valois, filha de Carlos VI e Isabel, e a subida do casal ao trono por morte de Carlos VI, sem contar com o Delfim Carlos. Antes, desde junho de 1419, o delfim escapara de Paris para Bourges, onde convocou a ajuda dos escoceses. Chegaram soldados da Escócia sob o comando do duque de Albany, do Earl ofDouglas e Sir John Stuart, lord de Darnley. Por cinco anos, forneceram ao delfim o apoio indispensável a que assumisse o trono comoCarlos VII, e resistisse aos ingleses.

Morto Carlos VI em 1422, a viúva Isabel (famosa pela ligeireza de costumes) não hesitou em colocar em dúvida a legitimidade do próprio filho, e reconheceu como rei da França o rei da Inglaterra Henrique V, com o qual tinha casado sua filha Catarina. A França passou a ter dois reis legítimos. O jovem Henrique VI deduzia sua legitimidade do Tratado de Troyes; reinava sobre Paris e o norte da França, fazendo-se representar por seu tio, João de Lancaster, duque de Bedford. Tem o apoio da Igreja, da Universidade e do povo de Paris, e é aliado ao poderoso partido borgonhês. Quanto a Carlos VII de Valois, apelidado o pequeno rei de Bourges, reina apenas sobre o centro e o sul, terra d´oc. Não tem dinheiro, nem apoio, além de alguns armagnacs e mercenários de toda sorte, seus cortesões se querelam - está a beira de renúncia, ao encontrar Joana d´Arc em 1429.

A guerra entre os ingleses e Carlos VII terminará apenas pela batalha de Castillon, perto de Bordeaux, em 17 de julho de 1453. A querela terá por final a luta entre Luís XI, filho de Carlos VII, e Carlos o Temerário, duque da Borgonha, filho de Filipe o Bom. A morte do duque em 1477 e a anexação do ducado da Borgonha ao reino de França serão o epílogo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário