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Império Bizantino nos anos 650. |
A dinastia heracliana governou o Império Bizantino entre 610 e 711, um período marcado por importantes eventos que marcaram a história do império e da região. No período inicial, o império ainda era conhecido como "Império Romano do Oriente", dominava o Mediterrâneo e se orgulhava de sua próspera civilização urbana da Antiguidade Tardia. Sucessivas invasões destruíram esse cenário e resultaram em grandes perdas territoriais, colapso financeiro e epidemias que esvaziaram as cidades enquanto controvérsias religiosas e revoltas civis enfraqueciam ainda mais o império.
No final do período, um estado bem diferente emergiu: Bizâncio medieval, uma sociedade primordialmente agrária e dominada pelos militares ocupados por uma longa disputa com os novos inimigos muçulmanos do Califado. Porém, este novo estado era também muito mais homogêneo e estava agora reduzido às regiões centrais falantes do grego e fervorosamente calcedonianas, o que permitiu que o império sobrevivesse à tempestade e entrasse num período de estabilidade sob a dinastia isáurica.
Epidemias
Durante os séculos VI e VII, o império foi atingido por uma série de epidemias, que foram devastadoras para a população e contribuíram para um declínio econômico significativo e e para o enfraquecimento do império. Sob Tibério II, o excedente do tesouro que havia sido acumulado desde Justino II foi gasto com sua magnanimidade e campanhas, o que forçou Maurício a adotar medidas fiscais estritas e cortes nos pagamentos do exército, ocasionando vários motins. O último deles, em 602, causou o assassinato de Maurício pelo oficial trácio Focas (602–610). Depois do assassinato de Maurício, Cosroes II (rei sassânida da Pérsia) usou este pretexto para recomeçar as hostilidades com o Império Bizantino.
Focas, um governante impopular invariavelmente descrito em fontes bizantinas como um "tirano", foi alvo de conspirações lideradas pelo senado. Acabou sendo deposto em 610 por Heráclio, que rumou para Constantinopla de Cartago com um ícone posto na proa de seu navio.
Guerra Bizantino-sassânida
A guerra bizantino-sassânida de 602-628 foi a última e mais devastadora de uma série de guerras travadas entre o Império Bizantino e o Império Sassânida. A guerra anterior entre estas potência havia terminado em 591 após o imperador Maurício I ajudar o rei sassânida Cosroes II a recuperar seu trono. Em 602 Maurício foi assassinado por seu rival político Focas, e Cosroes, como consequência, declarou guerra, aparentemente para vingar a sua morte. Isto tornou-se um conflito de décadas, o mais logo da série, e foi travado em todo o Oriente Médio e Europa Oriental: no Egito, Levante, Mesopotâmia, Cáucaso, Anatólia, e mesmo diante das próprias muralhas de Constantinopla.
Enquanto os persas mostraram largamente sucesso durante o primeiro estágio da guerra, de 602 a 622, conquistando muito do Levante, Egito e partes da Anatólia, a ascensão do imperador Heráclio em 610 levou, apesar dos contratempos iniciais, a derrota persa. A campanha de Heráclio em territórios persas entre 622 e 626 forçou-os a manter-se na defensiva permitindo que suas forças recuperassem o momentum. Aliados com os avaros, os persas fizeram uma tentativa final de tomar Constantinopla em 626, mas foram derrotados. Em 627 Heráclio invadiu o coração de seu território o que os levou a pedir paz.
Até o final do conflito ambos os lados tinham esgotado seus recursos humanos e materiais. Consequentemente, eles estavam vulneráveis ao surgimento repentino do Califado Rashidun, cujas forças invadiram ambos os impérios apenas poucos anos após a guerra. As forças muçulmanas rapidamente conquistaram o Império Sassânida por completo e privaram o Império Bizantino de seus territórios no Levante, Cáucaso, Egito e Magrebe. Ao logo dos séculos seguintes, metade do Império Bizantino e o Império Sassânida ficaram sob domínio muçulmano.
Os romanos sofreram uma esmagadora derrota para os árabes na batalha de Jarmuque, em 636, e Ctesifonte caiu em 637.
Fogo Grego, usado pela primeira vez pela marinha bizantina durante as guerras bizantino-árabes. Escilitzes de Madrid, Biblioteca Nacional da Espanha. |
A partir de 649, os árabes começaram a fazer ataques navais contra o império, chegando a controlar Chipre. Os árabes, já firmemente controlando a Síria e o Levante, enviaram frequentes incursões às profundezas da Anatólia, e entre 674 e 678 fizeram um cerco a Constantinopla. A frota árabe foi repelida através do uso do fogo grego, e foi assinada uma trégua de trinta anos entre o Império Bizantino e o Califado Omíada. Contudo, as incursões árabes na Anatólia perduraram e aceleraram o fim da cultura urbana clássica, com os habitantes de muitas cidades refortificando áreas muito menores no interior das muralhas, ou se mudando para fortalezas próximas. Constantinopla regrediu consideravelmente em tamanho, com a população diminuindo de 500 mil habitantes para apenas 40 a 70 mil. Isso se deveu principalmente ao fim das remessas grátis de cereais do Egito, primeiro devido à perda temporária daquela região para os persas (618–628) e depois à conquista definitiva pelos árabes em 642.
O vazio deixado pelo desaparecimento das velhas instituições cívicas semi-autônomas foi preenchido pelo sistema das temas, que implicou a divisão da Anatólia em "províncias" ocupadas por exércitos distintos, que assumiram a autoridade civil e respondiam diretamente ao governo imperial. Este sistema pode ter tido suas raízes em determinadas medidas pontuais adotadas por Heráclio, mas ao longo do século VII se transformou em um sistema totalmente novo de governo imperial. Tem sido dito que a reestruturação cultural e institucional maciça do império, na sequência das perdas territoriais do século VII, causou a ruptura decisiva entre o antigo Estado romano e aquele dos bizantinos, sendo que ele passou a ser entendido com um estado sucessor, em vez de uma continuação do Império Romano.
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Mosaico na Basílica de Santo Apolinário, em Ravena, retratando o imperador Constantino IV e sua corte. Foi durante seu reinado que os búlgaros invadiram pela primeira vez o Império Bizantino. |
A retirada de um grande número de tropas dos Bálcãs para combater os persas e os árabes no Oriente abriu as portas para a expansão gradual dos povos eslavos para a Grécia e, como na Anatólia, muitas cidades regrediram para pequenos povoados fortificados. Na década de 670, os búlgaros foram empurrados do sul do Danúbio com a chegada dos cazares, e em 680 forças bizantinas que tinham sido enviadas para dispersar esses novos assentamentos foram derrotadas. No ano seguinte, Constantino IV Pogonato (668–685) assinou um tratado com o cã búlgaro Asparuch (668–695), e o Império Búlgaro assumiu a soberania sobre algumas tribos eslavas que anteriormente, pelo menos nominalmente, tinham reconhecido a soberania bizantina. Em 687–688, o imperador Justiniano II (685-695; 705-711) liderou uma expedição contra os eslavos e os búlgaros, obtendo vitórias significativas, porém o fato de ele precisar combater em seu regresso da Trácia para a Macedônia demonstra o grau de deterioração do poder bizantino na região norte dos Bálcãs.
O último imperador heracliano, Justiniano II, tentou quebrar o poder da aristocracia urbana através de uma tributação severa e da nomeação de "estrangeiros" para cargos administrativos. Foi expulso do poder em 695, e se exilou primeiro junto dos cazares e posteriormente dos búlgaros. Nos anos seguintes, mais precisamente até 698, os últimos territórios bizantinos do Norte da África seriam conquistados pelos árabes, concluindo o processo iniciado em 647. Em 705, Justiniano II retornou a Constantinopla com os exércitos do cã búlgaro Tervel (695–715), retomou o trono e instituiu um regime de terror contra seus inimigos. Com sua queda final em 711, mais uma vez apoiada pela aristocracia urbana, a dinastia heracliana chegou ao fim.
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