![]() |
Justiniano em um dos famosos mosaicos da Basílica de São Vital, Ravena. |
Justiniano nasceu em 483 de uma família de camponeses, em algum lugar nos Bálcãs, e sempre falou o grego do Império do Oriente com sotaque bárbaro. Ele teria passado desconhecido na história se seu tio, Justino, não tivesse se integrado à guarda palaciana em Constantinopla, e ascendido de posição até se tornar comandante daquele grupo. Dali o tio Justino proclamou-se facilmente imperador em 518, quando o velho imperador morreu sem ter tido filhos.
Não tendo filhos ele próprio, Justino adotou seu sobrinho Justiniano como principal assistente e herdeiro. Quando Justino começou a ficar senil, Justiniano tornou-se o verdadeiro governante do império, bem antes de herdar oficialmente com a idade de 44 anos. Culto, ambicioso, dotado de grande inteligência, o jovem Justiniano parecia talhado para o cargo. O Império Bizantino brilhou durante seu governo.
Na Páscoa de 527, ele e sua esposa, Teodora, foram solenemente coroados. Sobre Teodora sabe-se que era filha de um tratador de ursos do hipódromo e que tivera uma juventude desregrada, escandalizando a cidade com suas aventuras de atriz e dançarina. Não se sabe exatamente como Justiniano a conheceu. Seu matrimônio com a antiga bailarina de circo e prostituta teria grande importância, uma vez que ela iria influenciar decisivamente em algumas questões políticas e religiosas. Justiniano cercou-se de um estreito grupo de colaboradores, entre eles Triboniano, Belisário, João da Capadócia e Narses. Segundo Procópio, um escritor daquele tempo, Justiniano aspirava a recuperar o antigo esplendor de Roma, motivo pelo qual realizou toda a ampla série de campanhas posteriores.
A Revolta de Nika
A intransigência com que Justiniano se aplicou na perseguição de seus objetivos provocou uma série de rebeliões no império. A mais violenta delas, a revolta (ou sedição) de Nika, ocorreu em 532, em Constantinopla.
Ela eclodiu porque houve uma dúvida sobre qual dos cavalos vencera a corrida, "Nika" era o cavalo pelo qual a população torcia, e que chegara quase que empatado com outro concorrente, o do time do Imperador. Consultado para resolver o dilema, Justiniano declarou que o vencedor era o seu cavalo. A plebe, enfurecida, se rebelou e começou uma discussão entre as várias classes sociais.
A revolta, de facto, não se deu simplesmente por causa do resultado de uma corrida de cavalos, mas sim por uma série de motivos que já estavam acontecendo há muitos anos e incomodavam a população. A fome, a falta de moradia e, sobretudo, os altos impostos eram os maiores motivos de revolta da população.
Em Bizâncio, existiam organizações esportivas rivais, que defendiam suas cores no hipódromo, onde a rivalidade esportiva refletia divergências sociais, políticas, e religiosas. Eram os Verdes, os Azuis, os Brancos e os Vermelhos. Esses grupos haviam se transformado em "partidos políticos". Os Azuis reuniam representantes dos grandes proprietários rurais e da ortodoxia da Igreja Romana. Já os Verdes, em matéria política, eram partidários da democracia pura ou anárquica, e tinham, em suas fileiras altos funcionários nativos das províncias orientais, comerciantes, artesãos e adeptos da doutrina monofisista (que queria ver em Jesus Cristo apenas a natureza divina), condenada pelo Concílio de Calcedônia.
Até então, os imperadores tinham tentado enfraquecer um grupo, apoiando o outro. Justiniano recusou essa solução, o que provocou a união dos Verdes e Azuis, que se rebelaram. A rebelião se propagou rapidamente por toda a capital e ganhou grandes proporções.
A população queria uma diminuição dos altos impostos cobrados. Aos gritos de "Nika!" (quer dizer "Vitória"), os rebeldes massacraram a guarda real e dominaram quase toda a cidade, proclamando um novo imperador. Como descreve Auguste Bailly, a populaça atacou os edifícios que por sua majestade ou riqueza lhe pareciam simbolizar a ordem social que queria abater. Assim foi incendiada quase totalmente a Basílica de Santa Sofia, e o Palácio Imperial sofreu grandes devastações. Diante da gravidade da situação, Justiniano ameaçou deixar o trono, mas foi aconselhado por sua mulher Teodora. A altiva imperatriz disse:
"Ainda mesmo que a fuga seja a única salvação, não fugirei, pois aqueles que usam a coroa não devem sobreviver à sua perda. Se quiseres fugir, César, foge. Tens dinheiro, teus navios estão prontos e o mar aberto. Eu, porém, fico. Gosto desta velha máxima: a púrpura é uma bela mortalha."
— Teodora, esposa de Justiniano
Diante disso, Justiniano decidiu reagir e encarregou o general Belisário de cercar o hipódromo e aniquilar os revoltosos. A revolta foi rapidamente reprimida pelo general, que, ao lado de seu exército, degolou cerca de trinta mil pessoas. Com a oposição controlada, Justiniano pôde, a partir de então, reinar como um autocrata.
Administração de Justiniano
Para garantir a centralização administrativa, Justiniano combateu o poder local dos grandes proprietários de terra e estabeleceu leis sólidas e eficazes, cujo cumprimento era rigorosamente fiscalizado pela burocracia, que contava com os militares.
Em seu governo, foi redigido o Código Justiniano, um sistema de leis básico que afirmava o poder ilimitado do imperador e, ao mesmo tempo, garantia a submissão dos escravos e colonos a seus senhores. Em seu governo, o regime político do império pode ser caracterizado como autocrático e burocrático. Autocrático, porque o imperador controlava todo o sistema político e religioso. Burocrático, porque uma vasta camada de funcionários públicos, dependentes e obedientes ao imperador, vigiava e controlava todos os aspectos da vida dos habitantes do império. Esse poder não chegava a ser totalitário, porque o império era vasto e composto por povos de naturalidades e línguas diferentes, que conseguiam escapar do controle das autoridades imperiais e manter certas tradições culturais particulares.
Justiniano também se destacou como construtor: fortificações em torno de todas as fronteiras, estradas, pontes, templos e edifícios públicos foram algumas de suas obras.
Internamente, os maiores problemas enfrentados pelo império foram os senhores locais e as heresias. Estas quebravam a unidade da Igreja de Constantinopla e, em geral, surgiam em províncias do império, adquirindo, assim, um caráter de luta autonomista diante do poder central.
Os assuntos religiosos
![]() |
Basílica de Santa Sofia - reconstruída sob supervisão pessoal de Justiniano I. |
Em 529, Justiniano fechou a Academia de Platão, Em 540 d.C. também considerou extinta o Talmude nas sinagogas. Em 550, eliminou o reduto dos mistérios egípcios na Ilha de Filac.
Reconstituição territorial do império
No plano externo, a política de Justiniano teve como objetivo fundamental a tentativa de reconstrução do fragmentado Império Romano. Uma vez estabilizado o perigo persa na zona oriental graças a um tratado de não-agressão pactuado com Cosroes I, no qual se comprometia a pagar um tributo anual ao sassânida, Justiniano empreendeu a recuperação do Ocidente. Seu primeiro objetivo foi acabar com os vândalos, no norte da África (533 - 534). O general Belisário dirigiu as campanhas com eficiência, conquistando Cartago, a Sicília, as ilhas Baleares e parte da costa levantina peninsular.
![]() |
Império Bizantino em 550. A parte mais clara representa as conquistas de Justiniano (527-565). |
General Belisário
Belisário, por Jacques-Louis David, 1781. |
Belisário nunca o deixou na mão. Lançou uma armada contra o reino vândalo no norte da África, com 15 mil soldados, 32 mil marinheiros, sua esposa, Antonina, como braço direito na administração, e o historiador Procópio como espião-mestre.
Os romanos desembarcaram no litoral desértico, longe do centro de poder dos vândalos, mas Belisário logo esmagou toda resistência e tomou Cartago. Eliminou o primeiro reino inimigo de sua lista, e voltou para Constantinopla a fim de receber os elogios do soberano.
Na parada triunfal que se seguiu, ele transportava o candelabro de ouro maciço que Tito levara para Roma e os vândalos haviam carregado para Cartago. Temeroso da maldição que parecia acompanhar o tesouro do templo por toda parte, Justiniano mandou o troféu de volta a Jerusalém, e foi a última vez que se ouviu falar desse candelabro.
Justiniano ordenou ao general Belisário que se lançasse à conquista da Itália, onde Teodorico, o Grande havia estabelecido um reino dos ostrogodos. Belisário dirigiu-se à península Itálica com o mesmo ânimo e rapidez das campanhas anteriores. Conquistou Roma (539) com relativa dificuldade devido à resistência ostrogoda e Ravena um ano mais tarde. Por um momento pareceu que as glórias do Império Romano poderiam reviver. Entretanto, os acontecimentos das décadas seguintes demonstraram que não seria assim.
Peste Bubônica
No ano 542, uma grande peste deu um devastador golpe nas ainda populosas cidades do Mediterrâneo Oriental. O restante do território italiano ofereceu importantes resistências dirigidas por Totila. Belisário caiu em desgraça perante Justiniano, e foi obrigado a aposentar-se, sendo substituído pelo eunuco Narses.
Narses chegou para assumir a guerra em 552. Matou Tolita (rei dos godos) na batalha e retomou Roma. O próximo rei dos godos também foi derrotado e morto no ano seguinte. Aproveitando-se do caos, os francos e álamos invadiram a Itália a partir do norte, em agosto de 553. Narses também os derrotou e assentou o restante da horda invasora na Itália. Finalmente, com os romanos no controle da situação, a guerra chegou ao fim.
Obstáculos à política de Justiniano
O descomunal esforço de reforma econômica e institucional despendido por Justiniano esbarrou numa infinidade de obstáculos. A desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres se aprofundou, tornando-se um problema constante para o soberano. No campo das agressões externas, uma das ameaças permanentes para o império foi representada por um ataque dos persas, que, reunificados sob a dinastia Sassânida, não escondiam a ambição de ocupar a Armênia, a Mesopotâmia e a Síria. Em duas ocasiões Justiniano se viu obrigado a comprar a paz de seus vizinhos, o que lhe obrigou a dispor de imensas quantidades de ouro.
Morte
O autoritarismo e os altos impostos fizeram com que a população respirasse aliviada com a notícia do morte de Justiniano (Constantinopla, 565). Foi sepultado ao lado de sua amada imperatriz Teodora na Igreja dos Santos Apóstolos (igreja onde repousavam as relíquias dos apóstolos, imperatrizes e imperadores bizantinos, patriarcas da Igreja Ortodoxa Grega) em Constantinopla. A data da morte do imperador é tradicionalmente considerada o termo final do direito romano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário