sexta-feira, 28 de junho de 2013

Fome na Índia Britânica

A fome parece fácil de ser explicada. Se não há bastante comida, as pessoas morrem de fome. Se não chove, a plantação não cresce e as pessoas morrem de fome. Se há geada ou os gafanhotos aparecem no tempo errado, as pessoas morrem de fome. O problema é que a fome nunca se distribui igualmente pela sociedade. Mesmo em face de uma colheita ruim, os ricos e poderosos permanecem gordos e felizes.

Fome da Índia (1769 - 70)

Bengala, Índia
Com a sua vitória em Plassey (Guerra dos 7 Anos), os britânicos (por meio da Companhia Britânica das Índias Orientais) acabaram controlando Bengala, mas logo tiveram um mau começo. Em 1769, as chuvas sazonais não chegaram à Índia, e a fome resultante, entre 1769 e 1770, matou em torno de 10 milhões de pessoas, um quarto da população de Bengala.

De quem foi a culpa? Um capitão da marinha alemã presente na região na época, escreveu: "Essa fome se deveu, em parte, à safra ruim de arroz do ano anterior, mas também deve ser atribuída, principalmente, ao monopólio dos britânicos sobre as últimas safras desses alimentos, mantidas por eles a tal preço que a maioria dos infelizes habitantes... ficou impossibilitada de comprar a décima parte do que precisavam para vive".

Foi o prólogo trágico para os dois séculos seguintes de governo britânico.

1876-77

Vamos avançar 100 anos, até uma época em que toda a Índia já estava sob o controle da Inglaterra, e a autoridade da Companhia Britânica das Índias Orientais fora transferida para a Coroa. Em 1874, uma seca nas províncias de bengala e Bihar, no nordeste indiano, arruinou a safra. A fome chegou para milhões de infelizes camponeses, mas a autoridade local, Sir Richard Temple, entrou em ação e montou um sistema modelar de assistência social para aliviar os famintos. Ele importou da Birmânia meio milhão de toneladas de arroz, que distribuiu gratuitamente para os pobres. Graças à rápida ação de temple, apenas 23 pessoas morreram de fome nesse período. Isso foi considerado o "único esforço inglês de assistência verdadeiramente bem-sucedido durante o século XIX".

Temple foi severamente repreendido pela extravagância de alimentar os nativos famintos sob seu encargo. A Economist o criticou por ensinar aos indianos que "é dever do governo mantê-los vivos". Toda a classe governista o desprezou por desperdiçar dinheiro público e interferir na ordem natural das coisas. Humilhado pelas críticas, Temple aprendeu a lição e quis fazer correções. A oportunidade veio rapidamente, em  1876, quando as chuvas de monção não chegaram a uma área muito maior. O solo secou e morreu. As plantações murcharam, o gado definhava.

Ao assumir a tarefa de supervisionar os esforços para aliviar essa nova escassez, Temple estava empenhado em provar que podia ficar dentro do orçamento. "Tudo precisava estar subordinado", prometeu ele, "à consideração financeira de desembolsar a menor soma de dinheiro compatível com a preservação da vida humana".

Isso soou agradavelmente ao vice-rei da Índia, Robert Bulwer-Lytton, que precisava de todo o caixa do tesouro público para travar uma nova guerra de conquista no Afeganistão. Nesse meio tempo, a rainha Vitória acabara de ser proclamada imperatriz da Índia, e lord Lytton passou grande parte do ano de 1876 planejando uma extravagância para comemorar a magnificência de seu novo chefe supremo. A comemoração terminou com uma semana de festas para 68 mil governantes nativos - a maior celebração desse tipo da história.

Aliviar a fome, portanto, era algo que estava num distante terceiro lugar na lista de prioridades do governo britânico na Índia. Os governantes nativos da Índia, como os mongóis, tradicionalmente estocavam a colheita dos anos bons para se protegerem dos anos magros; sob as ordens britânicas, porém as boas safras anteriores haviam sido exportadas para a Inglaterra. Quando as colheitas fracassaram em 1876, nada fora estocado na Índia. A escassez fez os preços subirem além do alcance do indiano comum. Os negociantes suspenderam o fornecimento de cereais na esperança de que os preços subissem ainda mais.

A filosofia predominante na época era de que o auxílio deveria ser difícil de obter, para desencorajar o pobre a se tornar dependente das doações do governo. Os beneficiados deviam trabalhar muito para seu sustento, cavando valas e quebrando pedras. Os campos aceitavam apenas pessoas aptas e saudáveis nos seus projetos de serviço público, e só empregavam trabalhadores que morassem, pelo menos, a 15 quilômetros de distância, sob a teoria de que uma caminhada longa eliminava os fracos. Centenas de milhares eram dispensados por serem fracos demais para qualquer trabalho.

A maioria das autoridades britânicas concordava com a ideia de que ajudar o pobre criava um ciclo de dependência. Lytton argumentava que a população indiana "tende a aumentar mais rapidamente do que a comida que cultiva no solo". e qualquer alívio seria simplesmente absorvido pela futura procriação descontrolada. 

Em 1877, Temple e Lytton impuseram o Ato contra Contribuições Caridosas em todas as terras sob seu controle; o decreto declarava ilegais quaisquer doações particulares de ajuda que pudessem rebaixar os preços dos cereais praticados pelo mercado livre. A lei era sustentada pela ameaça de prisão. Ao mesmo tempo, enquanto o povo indiano morria de fome, mais de 300 mil toneladas de grãos eram exportadas da Índia para a Europa.

Os futuristas e modernistas esperavam que as brilhantes e novas tecnologias da era moderna, particularmente ferrovias, tornassem a fome obsoleta ao levar rapidamente alimentos para as áreas afetadas; na prática, porém, a tecnologia teve o efeito oposto. As áreas mais bem servidas por ferrovias sofreram mais, porque isso permitia que os mercadores exportassem as colheitas para mercados mais lucrativos. 

Entre os grandes potentados nativos, apenas o Nizam de Hyderabad, no centro-sul da Índia, oferecia ajuda caridosa. Milhares de famintos caminhavam muitos quilômetros para chegar aos centros de distribuição dele, e frequentemente morriam pelo caminho. Em 1878, um relatório oficial sobre a fome absolveu o governo de qualquer responsabilidade, e jogou toda a culpa no clima.  

1896-97

Quando ficou claro que milhões de indianos haviam morrido durante a fome de 1876, o governo preparou relatórios, planos e um Fundo da Fome especial para assegurar que isso jamais aconteceria outra vez. Vinte anos depois, a escassez aconteceu novamente, e então foi descoberto que a maior parte do Fundo da Fome já fora gasta enquanto ninguém estava olhando. 

O governo em Londres financiara o Fundo da Fome com impostos da Índia, e não britânicos. Esse dinheiro extra permitiu que Lytton, em 1879, abolisse a taxação sobre as mercadorias de algodão que entravam na Índia provenientes da Inglaterra, ajudando assim as companhias têxteis britânicas de Lancashire, enquanto empobrecia a indústria indiana de algodão. e ainda sobrou muito dinheiro para invadir o Afeganistão.

Em 1892, um quarto do total da receita do governo da Índia era usado para manter o próprio governo, sustentando os pensionistas britânicos, o gabinete indiano e os juros da dívida. Muito pouco disso voltava para a economia local; a maior parte ia para os bancos e aposentados ingleses. tais encargos internos acabavam com qualquer superávit que a economia dos lavradores pudesse produzir, incluindo os cereais das boas safras, que normalmente seriam estocados para os anos difíceis.

Então, em 1896, as chuvas da monção não chegaram, e as colheitas falharam. Mais uma vez, o preço dos grãos subiu às alturas, além do alcance do indiano comum. Mais uma vez, o povo morreu de fome. 

Um missionário descreveu um fazendeiro muçulmano que vendera sua terra, depois sua casa, e depois seus utensílios de cozinha para comprar alimento para a sua família. Quando tudo acabou, ele deu seu filho para que os missionários cuidassem. Depois de, chorando, garantir ao menino que isso não queria dizer que ele não o amava, só que não tinha escolha, o homem foi embora, deixando o menino para ser criado como cristão.

1899-1900

Sabemos hoje que essas estiagens foram causadas pela Oscilação Sul do El Niño, um aquecimento esporádico da superfície do sul do oceano Pacífico, mas proximidades da costa do Peru, que altera o sistema climático do mundo inteiro, trazendo chuva quando é habitualmente seco e estiagem quando habitualmente chove. Depois de uma breve interrupção na estiagem, o El Niño voltou em 1899, trazendo um período ainda mais longo de seca.

Apesar de toda a experiência já adquirida pelas autoridades, essa nova seca causou tantos estragos quanto os anteriores. O novo vice-rei da Índia, lorde Curzon, repetiu a maioria das políticas que haviam matado tanta gente nas estiagens anteriores. Os príncipes nativos não agiram melhor. O marajá de Indore vetou todos os gastos para ajuda, enquanto Curzon deportava os refugiados que chegavam dos principados autônomos.

Com a escassez de cereais, o preço dos alimentos foi às nuvens. As autoridades britânicas viam trapaceiros em toda parte, e suspeitavam que muitos indianos candidatos à ajuda tivessem "Enterrados reservas de grãos e ornamentos". Testes criados para manter o maior número possível de indianos sem assistência impediram 1 milhão de pessoas de receber ajuda da presidência de Bombaim. Quando os populistas do Kansas, nos Estados Unidos, embarcaram 200 mil sacas de grãos para amenizar a fome "em solidariedade aos camponeses indianos", os funcionários britânicos taxaram a carga. A ordem vigente entre a oficialidade era que "os impostos fossem coletados a todo custo". 

Apesar da explosão demográfica mundial que caracterizou os séculos XIX e XX, a população da Índia sofreu um declínio absoluto entre 1895 e 1905.  O número de mortos na crise de 1899-1900 já foi estimado em mais 6,8 ou 19 milhões - no mesmo nível de grandeza da crise de 1876. Dessa vez, entretanto, o relatório do governo inglês, escrito depois do fato, reconheceu que a escassez proveio mais do fracasso da economia do que do fracasso do clima. Havia muitos cereais na Birmânia em bengala que poderiam ter sido enviados ao sul e ao oeste para alimentar os famintos. 

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