sábado, 9 de março de 2013

Períodos da Guerra dos Cem Anos

A expressão Guerra dos Cem Anos, surgida em meados do século XIV, identifica uma série de conflitos armados, registrados de forma intermitente, durante o século XIV e o século XV (de 1337 a 1453, concordando com as datas convencionais), envolvendo a França e a Inglaterra. Embora a guerra tenha durado 116 anos o tempo foi arredondado para 100. A longa duração desse conflito explica-se pelo grande poderio dos ingleses de um lado e a obstinada resistência francesa do outro. Ela foi a primeira grande guerra europeia que provocou profundas transformações na vida econômica, social e política da Europa Ocidental. A França foi apoiada pela Escócia, Boêmia, Castela e Papado de Avinhão. A Inglaterra teve por aliados os flamengos, alemães e portugueses. A questão dinástica que desencadeou a chamada Guerra dos Cem Anos ultrapassou o caráter feudal das rivalidades político-militares da Idade Média e marcou o teor dos futuros confrontos entre as grandes monarquias europeias.


Batalha de Sluis;
do livro de crônicas de
Jean Froissart (século XIV).
Filipe VI exerceu intenso assédio ao litoral inglês durante meses, até ser derrotado em 1340. As hostilidades começaram seriamente com a batalha naval de Sluys, além do rio Escalda, em 1340, onde a frota inglesa foi vitoriosa. Eduardo III tentou conquistar a França, vencendo grande parte dos combates em Crécyen-Pomthieu (1346), Calais (1347). As duas vitórias inglesas garantiram a Eduardo III importantes posições no norte da França, mantendo o canal da Mancha sob seu controle. Para tanto o rei da Inglaterra contou com o apoio financeiro de grandes mercadores de Flandres e do duque da Bretanha, que voltou-se contra o monarca francês. O avanço e a conquista inglesa só não foram maiores porque após a batalha de Crécy, ocorreu a chamada "Peste Negra", que dizimou praticamente um terço da população europeia. A peste foi responsável por interromper a guerra.

Batalha de Poitiers (1356).
Vários anos depois, quando se retomaram os combates, Eduardo III havia conquistado o apoio do rei de Navarra, Carlos II, e a inestimável ajuda militar de seu filho Eduardo, o príncipe de Gales, conhecido como o príncipe negro (por conta da cor de sua armadura). Esse período foi caracterizado por sucessivas vitórias inglesas, contando com o apoio de muitos nobres locais, mais preocupados em preservar seus domínios do que com a lealdade devida ao rei da França, possibilitando o domínio de cerca de um terço do território francês nas regiões norte e oeste. O Príncipe Negro conseguiu tomar como prisioneiro o sucessor de Filipe, João II, o Bom na Batalha de Poitiers (1356), e posteriormente, exigiu resgate por sua libertação. Uma insurreição popular (Jacquerie) complicou as coisas: revoltados com a miséria, os camponeses se lançavam contra os senhores feudais, enquanto a burguesia de Paris, indignada pelas calamidades da guerra e liderada por Étienne Marcel, clamava por mudanças políticas. O filho de João, o Bom, o futuro Carlos V, atendeu as questões internas e negociou a paz com Eduardo III. Em 1360, o Tratado de Brétigny, ratificados em Calais, deu a Eduardo um considerável número de territórios na França (Calais e todo o sudoeste francês) em troca do abandono de suas reivindicações ao trono francês.

Segundo período (1364 - 1380)

Carlos V, o Sábio
A morte de João II (1364), que permanecera em mãos dos ingleses, marcou o recrudescimento das hostilidades, pois seu filho Carlos (1364-1380), que o sucedeu no trono francês com o nome de Carlos V, negou-se a respeitar os tratados firmados em 1360. Dessa vez os franceses atacaram com êxito o inimigo pois a França desfrutava de uma melhor posição.

Sob Carlos V, os franceses, graças a unificação de seus exércitos, recuperaram boa parte do território meridional do Reino da França. Neste período destacou-se o condestável francês Bertrand Du Guesclin, cavaleiro valente e notável militar que organizou as famosas "campanhas brancas" (sistema de guerrilhas). A luta se estendeu a Castela, com a França apoiando o candidato à coroa, Dom Henrique, contra Dom Pedro aliado da Inglaterra. As vitórias do monarca francês, fruto da reorganização militar, fortaleceram a ideia de centralização política, possibilitou submeter a maior parte da nobreza, aumentar a arrecadação tributária e organizar o Estado com elementos oriundos da burguesia em cargos de confiança.

Em 1377, com escassos meses de distância entre um e outro, faleciam o príncipe de Gales e Eduardo III. O sucessor do trono inglês era o neto do monarca falecido, Ricardo II, de apenas dez anos de idade. A morte do monarca da França Carlos V, em 1380, esfriou o ânimo dos franceses.

Terceiro período (1380 - 1422)

Nas últimas décadas do século XIV e as décadas iniciais do século seguinte foram marcadas pelas disputas internas nos dois países, arrefecendo momentaneamente a guerra externa.

No caso da Inglaterra, o reinado de Ricardo II, investido do poder assim que alcançou a maioridade (1389), viu as hostilidades praticamente cessarem. Porém, ocorreram rebeliões camponesas lideradas por Wat Tyler, contra a servidão, e posteriormente as disputas envolveram parte da nobreza, que lutou contra o rei, e culminou com a ascensão de Henrique de Lencastre ao trono, em 1399, com o título de Henrique IV.

Carlos VI, o Insensato.
Na França, as lutas internas foram mais complexas e envolveram os interesses da região da Borgonha, antigo feudo poderoso, que lutou constantemente por seus interesses particulares. Em 1380, quando os ingleses nada mais ocupavam senão Calais e a Aquitânia, morreu Carlos V na França, abrindo caminho para a ascensão do herdeiro Carlos VI, o Insensato, de doze anos. Houve uma série de disputas pelo poder, que culminou com a cisão da nobreza francesa em dois partidos: os armagnacs, partidários da família de Orléans, e os borguinhões, partidários dos duques de Borgonha. Em considerando Carlos VI como incapaz, os Borguinhões pretenderam tomar o poder e, após várias derrotas, aliaram-se aos ingleses. Ao lado da família real ficaram o irmão do rei, Luis de Orléans e Bernardo de Armagnac. Nesta guerra civil, destacaram-se João Sem Medo da Borgonha e o Delfim Carlos.

A retenção inglesa de Calais e Bordeaux, no entanto, impediu a paz permanente. Na França, a evidente incapacidade mental do rei, Carlos VI, desencadeou acirradas disputas pelo trono entre seus irmãos. A eclosão da guerra civil na França (luta entre Armagnacs, partidários dos Orléans, e os Borguinhões, partidários do duque de Borgonha), além da loucura do rei Carlos VI, animou o novo rei inglês, Henrique V, a insistir em suas reivindicações no tocante ao trono francês (invocando a lei sálica). Henrique V, primo de Ricardo II, assumira a coroa em 1413.

Batalha de Azincourt
em miniatura do século XV.
A guerra civil e a loucura do rei Carlos VI permitiram novas conquistas dos ingleses. Em 1415, Henrique V desembarcou na Normandia, invadindo e tomando Harfleur. Neste mesmo ano, travou-se a batalha de Azincourt (ou Agincourt), num terreno em que a chuva transformara num atoleiro. A orgulhosa cavalaria francesa foi massacrada e milhares de nobres franceses pereceram. Seguiu-se a ocupação de Paris (1415), da Normandia (1419) e de outras regiões no norte da França, obrigando a assinatura da paz, com a cumplicidade de Isabel da Baviera. O Tratado de Troyes (1420), que garantia a Inglaterra todo o norte do país (inclusive Paris) e, o mais grave, forçou Carlos VI a deserdar do trono seu filho, o Delfim Carlos VII. Henrique V casou-se com a princesa Catarina, filha de Carlos VI, ficando com o direito de herdar o trono.

A Borgonha Rompe Com a França

João, o Destemido, o mais recente duque da Borgonha, não participara da campanha em Azincourt porque sua casa ainda disputava com o restante da família real francesa sobre quem deveria subir ao trono da França depois da morte de Carlos, o Louco. Em 1418, as forças borgonhesas arrebataram Paris da  guarnição do rei Carlos para mostrar que o duque falava a sério.

No ano seguinte, o filho adolescente do rei, chamado de Delfim ou Príncipe Coroado, encontrou-se com João, o Destemido, numa ponte em Montereau para negociar um acordo, mas o príncipe montou uma emboscada e matou o duque. Aborrecido com a traição, o novo duque da Borgonha passou para o lado inglês na guerra, levando Paris consigo. O Delfim fugiu para o interior, de modo que, quando Carlos, o Louco, morreu, em 1422, o príncipe não pode assumir o título de rei. Os ingleses mantiveram a posse de Paris como trunfo de seu pretendente ao trono francês, o rei Henrique, ainda bebê.

Depois do assassinato de João Sem Medo, duque de Borgonha e um dos contendores na guerra civil da França, Henrique V aliara-se ao filho do duque, Filipe, o Bom. A união teve sucesso e até 1422 o rei inglês e o novo duque de Borgonha controlaram todo o território francês ao norte do Loire, incluindo Paris e a Aquitânia.

Naquele ano, morreram tanto Carlos VI quanto Henrique V, o que faz com que as duas coroas (a da França e da Inglaterra) fossem herdados por Henrique VI, que ainda era uma criança recém nascida. Dois barões ingleses encarregaram-se da regência: o Duque de Badford se ocupou da França e o Duque de Gloucester passou a administrar a Inglaterra. Carlos VII, o Delfim, assumiu a realeza em Bourges. Assim, a França encontrava-se dividida em dois reinos: nos territórios do norte, governava o rei inglês, apoiado pelos borguinhões; nos poucos territórios do sul, reinava o francês Carlos VII, com o apoio dos armagnacs.

Quarto Período (1422 - 1453)

O Delfim, porém, instalara-se no vale do Loire e dali passou a liderar a resistência francesa aos invasores. É nesse momento que aparece em cena uma camponesa mística e visionária de Domrémy: Joana d'Arc, que conseguiu desarmar uma conspiração para matar o soberano. Os regentes do ineficaz Henrique VI foram perdendo o controle dos territórios conquistados para as forças francesas, sob a liderança de Joana d'Arc.

Pintura Romântica de
Joana d'Arc na
Batalha de Orléans
Com a França em perigo Joana d'Arc organizara um exército completamente diferente dos exércitos feudais. Guerra era assunto para nobres e homens em geral. Seu exército era liderado por uma mulher camponesa. Os exércitos feudais lutavam por seu senhor e seu feudo. O de Joana d'Arc era um exército nacional, que lutava pela França e por seu rei. Os franceses, agora, sentiam-se integrantes de um país. A ideia de nação estava lançada.

Joana d'Arc conseguiu do Delfim um exército de aproximadamente cinco mil homens e libertou a praça forte de Orléans (1429). Essa vitória fez Filipe, o Bom, abandonar seus aliados ingleses e aceitar a autoridade de Carlos VII. Depois conquistou Reims, no norte do país, onde Carlos VII foi coroado segundo as antigas tradições. Carlos VII, aproveitando as discórdias da Guerra das Duas Rosas na Inglaterra, empreendeu eficaz reestruturação militar que culminará com a conquista da Aquitânia em 1453.

Em 1430, aprisionada pelos borguinhões, Joana D'Arc foi entregue aos ingleses, em Compiègne. Foi julgada herética por um tribunal eclesiástico e queimada na fogueira, em 1431, em Rouen (ou Ruão).

Batalha de Castillon.
O impulso, entretanto, estava dado. Os franceses, incentivados pelo martírio de Joana d'Arc, bateram os ingleses em Formigny (1450), tendo conquistado a Normandia e grande parte da Gasconha. O fim da guerra é marcado pela batalha de Castillon, em 1453, quando foi capturada a cidade de Bordeaux, o último reduto inglês. Isto significou, efetivamente, o fim da guerra, e desde então os ingleses mantiveram apenas Calais, que conservaram até 1558. Eles foram forçados a voltar sua atenção aos assuntos internos, principalmente às guerras das Rosas e desistiram de todas as reivindicações sobre a França. Nenhum tratado foi assinado de forma a assinalar o fim das hostilidades. A rivalidade anglo-francesa, no entanto, ainda perduraria por muito tempo.

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