domingo, 28 de abril de 2013

Tráfico de Escravos no Atlântico

Embora os escravos houvessem sido sempre um produto de exportação da África, não haviam muito mercado para eles na Europa. A terra já tinha servos em número suficiente, e era muito mais fácil contratar empregados domésticos do campesinato local do que importá-los de outro continente. Por fim, os portugueses descobriram que podiam ganhar dinheiro levando grande número de escravos para trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar das ilhas tropicais da Madeira e de Cabo Verde, recentemente descobertas no Oceano Atlântico.

A descoberta da América empurrou a escravidão para o centro da economia europeia. Com os nativos americanos morrendo de devastadoras novas doenças, contra as quais eles não tinham uma imunidade inata, o Novo Mundo se defrontava com uma séria escassez de mão de obra. Todo um hemisfério de terras jazia inútil porque não havia ninguém para trabalhar nele. Depois que algumas fazendas experimentais no Caribe mostraram que plantar cana-de-açúcar com escravos africanos dava lucro, a Coroa Espanhola abriu o Novo Mundo para os comerciantes portugueses de escravos em 1513.

Captura

Os europeus não capturavam os escravos, eles mesmos. Doenças tropicais mortais e reis nativos hostis desencorajavam os europeus a penetrar muito fundo no continente africano. Durante a maior parte da época escravagista, a única presença europeia permanente na África ocidental foi uma dezena, mais ou menos, de fortalezas costeiras construídas para evitar que os europeus rivais perfurassem o tráfico, e não para conquistar os nativos. 

Por mais de um século, a escravização de africanos ficou sendo uma atividade puramente portuguesa, mas na década de 1630 os navios de guerra holandeses desafiaram e derrotaram completamente os portugueses por todo o globo. Isso quebrou o monopólio português, e o restante da Europa aproveitou a oportunidade e estabeleceu postos de comércio escravagista por toda a costa africana. 

Os reinos nativos, como os dos ashantes, oyos e congos transformaram-se em lucrativos intermediários do tráfico de escravos, e esses reis ficaram ricos e suntuosos graças aos tributos, impostos e extorsões que mantinham o tráfico fluindo. Em troca de escravos, a África recebia as mercadorias usuais de comércio: enfeites de cobre e latão, têxteis, panelas, chaleiras, facas e conchas de moluscos que serviam como moedas, além de alguns artigos mais interessantes, como arma de fogo e rum. Em logo prazo, mais importante foi a África receber o milho, que se tornou um alimento básico por todo o continente, até mesmo em regiões bem afastadas do litoral.

A princípio, os africanos locais vendiam os escravos que tivessem à mão. A maioria deles era formada por criminosos, adúlteros e devedores, mas, conforme cresceu a demanda, os reinos do litoral africano iniciaram novas guerras, especificamente para capturar prisioneiros a fim de vendê-los como escravos. No final, os comerciantes de escravos nativos faziam incursões terra adentro para sequestrar mão de obra fresca. Depois de capturar uma aldeia, eles geralmente matavam ou abandonavam velhos e crianças, porque não havia mercado para eles. O restante dos habitantes eram levados para serem vendidos. E quando a venda era terminada, os escravos eram marcados com ferro em brasa, com o sinal do proprietário. Depois eles eram comboiados nus para os navios, porque as roupas só faziam aumentar a sujeira na viagem para o Novo Mundo.

Como nas Américas, os escravos geralmente eram postos a trabalhar nos campos, dava-se maior valor a indivíduos grandes e fortes. Cerca de 90% dos escravos embarcados para o Novo Mundo eram adultos ou adolescentes, e os homens constituíam um efetivo que era o dobro do das mulheres. Elas geralmente tinham um preço bastante alto na própria África, o que não permitia que fossem vendidas no exterior.

A Viagem

Em geral de duas a quatro centenas de escravos eram transportadas em cada navio. Eram acorrentados debaixo do tombadilho em pares, tornozelo com tornozelo, pulso com pulso, deitados lado a lado, com cerca de metade do espaço destinado a condenados ou soldados que viajavam na mesma época. Havia baldes dispostos no canto, à guisa de privadas, mas um escravo tinha de chegar lá acorrentado a seu vizinho. Muitos não alcançavam o balde a tempo, e os navios negreiros sempre fediam a dejetos humanos.

Homens e mulheres eram acorrentados em partes diferentes da embarcação, tanto por medida disciplinar como por motivos morais. Num clássico exemplo da dissonância de valores, os capitães dos navios aceitavam bem a escravidão, mas ficavam horrorizados com a possibilidade de atividades sexuais a bordo. Também suspeitavam que os escravos homens ficavam menos dóceis e mais protetores quando havia mulheres entre eles.

Uma viagem geralmente durava de dois a três meses. Os escravos não sofriam muitos maus-tratos nos navios. Eram mantidos razoavelmente sadios, com bastante água e alimentos com amido. Se um escravo tentava fazer uma greve de fome, sua boca era aberta à força e ele, obrigado a comer. Uma vez longe da terra e além da tentação, os escravos eram levados para o tombadilho superior em grupos pequenos, fáceis de controlar, para esticarem os músculos e dançar. Eram geralmente libertados dos grilhões conforme a viagem progredia.

Ao todo, 40% de todos os escravos, isto é, 4,65 milhões, foram transportados pelos portugueses, e 35%, ou 4 milhões, foram enviados para a colônia portuguesa do Brasil. O comércio escravagista atingiu o pico no século XVIII, quando quase 6 milhões de escravos foram trasportados por todas as nações. Durante a década de 1780, uma média de 80 mil novos escravos chegavam às Américas todo ano. Por essa época, os ingleses dominavam o tráfico. A economia escravagista e da cana-de-açúcar era tão lucrativa que todo país europeu com uma boa marinha tentou abocanhar um pedaço dela, mesmo aqueles que nós normalmente não pensamos como transportadores desalmados de escravos, tais como os dinamarqueses. 

No total, cerca de 10 a 12 milhões de escravos foram transportados através do Atlântico. Provavelmente 10% a 15% deles morreram em trânsito, frequentemente de disenteria, escorbuto (falta de vitamina C) e varíola. Os mortos eram atirados por cima da amurada, sem cerimônia, e tubarões seguiam os navios esperando uma refeição fácil.

Entrega

Testemunhas diziam que sempre se podia sentir o cheiro de um navio de escravos entrando num porto. Depois de semanas no mar, as embarcações fediam a urina azeda, suor, vômito e fezes provenientes de trezentos humanos confinados, e as cálidas brisas do Caribe espalhavam o fedor por toda a cidade. Esses barcos geralmente chegavam com um grande cerimonial, salvas de canhão e toques especiais de sinos, para atrair compradores e alertar as autoridade. 

Depois de serem inspecionados por um médico para verificar se não eram portadores de doenças infecciosas, os escravos eram enviados a armazéns ou cadeias de escravos, a fim de serem preparados para a venda. Os novos escravos recebiam comida farta, eram lavados e cobertos de óleo, para ficar mais atraentes do que os miseráveis esqueletos que saíam cambaleando do navio. Eram mostrados, inspecionados e leiloados. Quando a venda era fechada, os escravos eram frequentemente marcados com o ferro em brasa do novo proprietário.

Durante o primeiro ano na fazenda, os africanos eram domados, treinados e aclimatados. Os novos escravos geralmente recebiam tarefas relativamente fáceis, até que ficassem calejados (ou "temperados"), e então eram mandados para as plantações de cana-de-açúcar, ou seja, para um trabalho realmente duro. Mesmo assim, provavelmente um terço de todos os novos escravos morria durante essa "tempera". Embora os africanos, como uma raça, já estivessem sido previamente expostos a todas as doenças do Velho Mundo, desenvolvendo certa imunidade genética, os escravos, como indivíduos, eram em geral muito vulneráveis. Amontoar centenas de pessoas vindas de todos os lugares da África em uma única fazenda, apinhada de gente, expunha muitos desses novos escravos à varíola, sarampo, malária ou febre amarela, pela primeira vez.

Não era a pura biologia que elevava a proporção de mortes. O cultivo da cana era especialmente brutal para o corpo, desde lidar no campo com as folhas da cana, afiadas como facas, até os caldeirões ferventes da usina. A carga de trabalho era excessiva, a comida, pouca, e os aposentos, cheios demais de gente. Acorrentados, se tentavam fugir, e castigados fisicamente por qualquer inflação, a maioria dos escravos logo exibia profundas cicatrizes nos tornozelos e nas costas. 

Muitas das práticas nativas que haviam permitido aos africanos evitar as doenças em sua terra natal, isto é, o cuidado apropriado com os doentes e seu isolamento, enterro adequado dos mortos, preparação dos alimentos, remoção dos dejetos humanos, limpeza das habitações, sombra, descanso tudo isso era um luxo nas fazendas das Américas. Apenas os mais resistentes aguentavam o choque dos primeiros anos.

O maior consumidor de trabalho escravo era a produção de açúcar, que empregava 55% dos novos escravos chegados da África, mas foram feitas fortunas em outras culturas, tais como a do café, que consumia 18% dos novos escravos, a do algodão, 5% e a do cacau, 3%. É claro, os novos escravos se distribuíam por toda a economia, desde o trabalho em minas, com 9%, até servirem como empregados domésticos, com 9%.

Uma vez aclimatados ao Novo Continente, a taxa e mortalidade diminuía, mas os escravos ainda tinham uma expectativa de vida muitos anos menor do que as pessoas livres vivendo na mesma comunidade.

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