Designa-se historiograficamente por Guerras da Gália (ou Gálicas) a série de campanhas de Júlio César iniciadas em abril de 58 a.C. e finalizadas durante a primavera de 52 a.C., quando, após um cerco de dois meses, César apoderou-se de Alésiae aprisionou Vercingetórix, líder dos Gauleses. Estas campanhas permitiram estabelecer o domínio romano sobre a Europa a oeste do rio Reno (Gália Transalpina).
Após atravessar a a Gália Transalpina, César expulsou as tribos germânicas fixadas ao sul e ao leste, as belgas ao norte e os vênetos a oeste. Atravessou o Reno para mostrar o poder de controle das fronteiras. Favorecido pela desunião intertribal, subjugou implacavelmente as costas norte e oeste. Invadiu duas vezes (55 a.C. e 54 a.C.) a Bretanha, que era vista como refúgio belga e ameaça para Roma. No inverno de 53 a.C.-52 a.C., Vercingetórix reuniu as tribos da Gália central numa unidade incomum, promovendo a insurreição dos povos da Gália iniciado com o massacre dos Romanos em Orléans. Em longa e amarga batalha, César derrotou Vercingetórix e os seus sucessores, culminando na rendição do chefe gaulês.
A Gália, que ocupava apenas uma parte do noroeste da península Itálica (Gália Cisalpina) e uma estreita faixa de terra ao sul da atual França (Gália Narbonense), passou a incluir o equivalente ao atual território da França e da Bélgica.
De Bello Gallico
Júlio César escreveu um livro relatando as diversas campanhas na então Gália, o De Bello Gallico ("Das Guerras na Gália"). A obra é de interesse inquestionável como relato das campanhas, já que foi escrita por um dos protagonistas, embora a interpretação do seu conteúdo seja largamente discutida, considerando muitas passagens como propaganda de César sobre o seu exército e sua capacidade de liderança. Existe até mesmo uma edição acrescida de comentários de Napoleão Bonaparte.
A conquista da Gália por Júlio César
Os Helvécios
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A Gália nos tempos de Júlio César (58 a. C.) |
O meio mais certo de agradar os eleitores em Roma era trazer de volta grandes produtos de saques de conquistas estrangeiras, e distribuí-los liberalmente por toda a cidade. Na época do final da República Romana, entretanto, o império era grande demais para que os dois cônsules governantes ficassem guerreando por todo o mundo, reunindo riquezas e glória em guerras estrangeiras durante o único ano para o qual eram eleitos. Em vez disso, eles tinham sua oportunidade como procônsules, ex-cônsules, que eram nomeados pelo Senado como governadores de províncias em fronteiras problemáticas (mas potencialmente lucrativas). Um cônsul popular era recompensado com uma rica província que ele podia extorquir, enquanto outro, impopular, talvez recebesse um vasto território de deserto rochoso, habitado por nômades sujos e pobres. Depois de servir seu termo como cônsul, o extremamente popular Gaio Júlio Cesar recebeu quatro legiões e o carto de governante de diversas províncias romanas do norte, especialmente a Gália meridional (atualmente o sul da França).
César estava ansioso por uma desculpa, qualquer desculpa, para começar a conquista e o saque, de modo que ficou muito contente quando os helvécios pediram permissão para migrar através do protetorado romano para a Gália, em 58 a. C. Ele negou a permissão, mas os helvécios foram em frente de qualquer jeito. César colocou-se no caminho deles com seis legiões. Construiu uma longa muralha barrando o caminho dos invasores, perto do lago Genebra, e esperou. Os helvécios também ficaram esperando.
Quando os helvécios tentaram desbordar as tropas romanas, César os surpreendeu cruzando um rio e esmagou a retaguarda deles. Depois os perseguiu de perto sem lhes dar descanso, matando os que se desgarravam, até que acidentalmente estendeu demais suas linhas de suprimento. Quando ele recuou, os helvécios deram meia-volta e o perseguiram, até que os romanos fincaram pé numa colina perto da importante cidade gálica de Bibracte, na França central. Ali conseguiram repelir os ataques dos adversários. Depois contra-atacaram e os destruíram.
Ariovisto
Ao norte, duas tribos gaulesas do vale do Reno, os éduos e os séquanos, estavam em guerra, de modo que estes últimos contrataram os suevos, uma tribo germânica chefiada por Ariovisto, para ajudá-los. Depois que os éduos foram derrotados, entretanto, Ariovisto não se retirou. Apossou-se de um terço o território dos séquanos, onde estabeleceu 120 mil membros de seu próprio povo. Posteriormente, mais um terço do território dos éduos foram conquistados por Ariovisto.
Entretanto César não queria deixar que os germânicos estabelecessem um poderoso território tão perto da fronteira romana, de modo que em resposta a pedidos de ajuda dos aeduis ele exigiu a retirada dos suevos. Quando Ariovisto zombou da exigência, César marchou com 30 mil homens para o norte, em setembro. Os dois lados parlamentaram e manobraram durante algum tempo, até que o acampamento romano em Vosgue viu-se cercado por 70 mil germânicos vociferantes. Os romanos calmamente formaram suas linhas e atacaram. Derrotaram os suevos e os perseguiram de perto por 24 quilômetros. Tendo perdido 25 mil homens, os inimigo escapou atravessando o rio Reno de volta, e logo correu o boato que Ariovisto morrera, provavelmente assassinado por seus próprios correligionários revoltados.
Avançando Mais
Durante o ano seguinte, César permaneceu no norte combatendo os belgas, uma coalisão importante de tribos gaulesas que se armavam para bloquear a expansão romana. Em junho de 56 a.C. César construiu uma ponte de madeira sobre o Reno, em dez dias, a primeira do mundo a cruzar o rio. Esse espantoso feito de engenharia intimidou a maior parte das tribos locais, que entregaram reféns ao general, como símbolo de sua rendição. César gastou apenas 18 dias cruzando o rio, incendiando a cidade de uma das tribos que resistiu à sua investida. Destruiu a ponte depois que se retirou, a fim de não deixar uma porta desguarnecida para o império.
Em 55 a. C., ele cruzou o canal da Mancha, invadindo a Bretanha, para ver se valia a pena conquistar aquele território. Levou apenas duas legiões, ou porque planejava não mais do que um reconhecimento ou porque, arrogantemente, supôs que aquela força seria bastante para subjugar a ilha. De qualquer modo, os britânicos mostraram ser mais fortes do que ele esperava. César ficou com suprimentos escassos, mas mesmo assim atacou a partir de sua base e destruiu alguns vilarejos, só para mostrar que não seria forçado a se retirar. Depois retornou ao continente.
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SPQR: Senatus Populusques Romanus |
A essa altura, Cesar já tinha conseguido mais duas novas legiões, somando um total de oito. No inverno de 54-53 a. C., o rei Ambiórix, dos eburões germânicos, enganou as forças romanas: aceitou que passassem em segurança por seu território, mas depois as emboscou. Uma legião quase inteira foi massacrada, perdendo sua Águia, que era o símbolo visível da legião e um poderoso talismã. Os sobreviventes fugiram de volta para seu acampamento e cometeram suicídio, pois não queriam cair prisioneiros dos germânicos.
César chegou e retaliou, destruindo cada aldeia e fazenda no território dos eburões. Embora houvesse fugido e se escondido da vingança direta dos romanos, a maioria da população ficou agora exposta à inanição durante o inverno. César também deu às tribos vizinhas a permissão para que fizessem o que quisessem com os eburões. Embora não saibamos exatamente o que essas tribos fizeram, com certeza foi algo terrível. A história nunca mais voltou a mencionar os eburões.
Em 53 a. C., César dispunha de dez legiões. Ele voltou do norte e varreu a Gália novamente, certificando-se de que todas as tribos soubessem que as governava. Esmagou uma série de tribos gaulesas teimosas, uma por uma, vendendo as mulheres e crianças para mercadores de escravos que seguiam seu exército por onde este marchava.
Finda sua campanha, César pôde reivindicar toda aquela região como território romano. Embora todo exército gaulês que se levantara contra os romanos houvesse sido derrotado, o povo decidiu realizar um último esforço para expulsar os invasores. Uma grande coalizão de tribos já pacificada empreendeu uma revolta sob o comando de Vercingetórix, chefe da tribo dos arvernos. Para levar os romanos à inanição, os gauleses destruíam todo suprimento que não podiam remover ou defender, e o subsequente sítio da capital gaulesa de Avaricum foi quase uma punição para os romanos lá fora, e os gauleses lá dentro. Por 27 dias, debaixo de forte chuva, os romanos tentaram montar torres om rodas para tomar a cidade, enquanto os gauleses realizavam sortidas externas visando perturbar os trabalhos. Finalmente os engenhos de assédio ficaram prontos e um assalto romano ultrapassou as muralhas. Os conquistadores massacraram todos os inimigos dentro da cidadela. César relata que não houve sobreviventes: "Nem homens, nem mulheres, nem crianças. Da população de cerca de 40 mil, apenas oitocentas, que fugiram da cidade ao primeiro sinal do inimigo, conseguiram chegar com segurança a Vercingetórix.
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Vercingetórix se rende a Júlio César, pintura no Museu Crozatier, em Le Puy-en-Velay. |
Vercingetórix mantivera-se afastado durante o sítio de Avaricum, vencendo diversos pequenos confrontos, antes que César o encurralasse no bastião de Alésia. Mais uma vez os romanos estabeleceram seu acampamento em forma de anel, circundando toda a fortaleza inimiga, e começaram a construir as máquinas de assédio. Depois que eles repeliram um tentativa de gauleses fora do perímetro, visando quebrar o cerco, Vercingetórix desistiu. Entregou-se à mercê de César, e embora este tivesse uma reputação de perdoar os inimigos, dessa vez manteve-se firme. Vercingetórix ficou jogado numa cela por diversos anos, até o dia festivo da procissão triunfal de César. Então foi retirado de lá, conduzido pelas ruas de Roma e ritualmente estrangulado no final.
Legado
O teimoso e incorruptível Marco Pórcio Catão, um dos últimos senadores de Roma a acreditar na república, opunha-se vigorosamente às guerras de César. Achava que César as empreendera sob falsos pretextos, e que ele deveria ser entregue aos germânicos para ser punido. Outros homens poderosos em Roma também se opunham a César, mas principalmente porque a ambição dele de tornar-se ditador conflitava com as próprias ambições deles de fazerem o mesmo.
A guerra não apenas cobrira César de glória e riquezas, mas também o deixara com um exército veterano de tamanho sem rival, inteiramente subordinada a seu favor pela distribuição dos saques efetuados na Gália. Embora ninguém em Roma pudesse evitar que ele se tornasse ditador, ainda decorreriam alguns anos de guerra civil antes que todos os que duvidavam fossem convencidos. Entretanto, exatamente quando se estabeleceu na cidade para gozar dos frutos de sua vitória, César foi assassinado. Seus imediatos no comando lutaram entre si durante mais alguns anos, mas por fim o último desses que restaram, seu sobrinho Otaviano, herdou o manto do poder sob o título de Augusto, e Roma tornou-se um verdadeiro império.
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